Julia Macedo Rosa (30) concedeu uma entrevista ao UOL contando um pouco de sua história e o valor que dá aos estudos, já que hoje ela está fazendo pós-doutorado em Bioquímica na The Hong Kong Polytechnic University, uma prestigiada universidade de Hong Kong. De origem humilde, sua mãe, Maria Aparecida Macedo Pinto (66) é diarista e, por isso, Julia teve a oportunidade de crescer em um bairro nobre de Florianópolis (SC), na casa em que sua mãe trabalhava.
Desde cedo, ela percebeu que os filhos da patroa de sua mãe estudavam, faziam faculdade e tinham uma vida confortável. Foi então que concluiu: “essa é a receita. O único caminho é por meio dos estudos”. Ainda jovem, conseguiu uma bolsa para estudar em uma escola tradicional da cidade e depois prestou vestibular para Farmácia. Quando sua mãe se aposentou, ela foi aprovada na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2009.
Na época, Maria Aparecida estava pagando as prestações de um apartamento financiado pela Caixa Econômica Federal, e as finanças eram sempre “muito apertadas”. Para conseguir liquidar as dívidas, Maria se inscreveu em programas sociais, recebendo uma cesta básica e desconto na conta de luz. Julia almoçava e jantava gratuitamente no restaurante da Universidade.
“Eu não passei fome, pois tinha o restaurante no campus” – diz Julia, complementando também que recebia R$ 300 de bolsa de iniciação científica, fazendo parte de uma pequena parcela de mulheres negras que recebem bolsas de pesquisa no Brasil. De acordo com o CNPq, as mulheres negras ou pardas representam menos de 30% das bolsistas. Além disso, um levantamento feito pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) aponta que a dificuldade financeira é uma das principais motivações para o abandono dos cursos de graduação entre as mulheres negras.
Julia, mesmo com um bom currículo, tinha dificuldades em arrumar emprego, e o principal argumento que escutava era de que ela só tinha estudado e não trabalhado na área.
“Cheguei a pensar que a carreira acadêmica tinha sido o maior erro da minha vida.” disse. Apesar das dificuldades, ela disse que sempre lembrava da mãe nessas horas: “Ela sentia a minha preocupação e dedicação. E sempre encontrou um jeito carinhoso para me apoiar e dizer: ‘continue, estou aqui”.
A mãe de Julia já teve uma realidade diferente, tendo estudado até a terceira série do ensino fundamental e trabalhou como diarista desde a adolescência. Mesmo sendo um trabalho muito digno, ela sempre incentivou a filha a estudar, além de que ela se aposentou por invalidez após duas cirurgias no joelho devido ao seu trabalho como diarista. Perante este assunto, Julia diz:
“Minha mãe sempre falava para eu não ter a mesma vida que ela teve. Ser empregada doméstica é um trabalho digno, mas é braçal e cansativo. Difícil não ter sequelas físicas.”
Sobre o fato de ser negra, ela diz que “uma mulher negra tem que fazer tudo em dobro”, e que em diversos congressos onde ela participou a confundiam com a “menina do cafezinho”, com a faxineira ou atendente.
“As pessoas não associam isso ao racismo. É um pensamento enraizado. Muita gente acha que nós, mulheres negras, somos funcionárias e sempre ocupamos um cargo inferior. Como mulher a gente tem que se provar. E sendo uma mulher negra, aí é que não pode errar nunca, tem que sempre fazer o dobro.”
Apesar de ser mulher, negra e filha de diarista, ela disse que não se deve comparar a vida dela com a de outras pessoas, pois ela teve uma vida cheia de privilégios.
“Não tentem me comparar com os outros. Não é questão de meritocracia. Eu tive uma vida cheia de privilégios. Não sei como teria sido se eu crescesse na periferia. E se eu não tivesse a ajuda psicológica da minha mãe. Eu tive muito apoio para chegar até aqui.”
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